terça-feira, 6 de dezembro de 2011

O Pesadelo de uma Mosca

Sua origem, muito mais que humílima, tem que, a bem da verdade e com toda a força da expressão, ser considerada desprezível.
Nascida nas mais infectas condições, cercada desde o nascimento por toda variedade de vírus, bactérias, fungos e outros micróbios que habitam as podridões.


Alimentando-se de dejetos; contorcendo-se entre fétidas excreções que putrefazem à sua volta; respirando os gases venenosos que evolam-se dos produtos metabolizados por toda a fauna e flora que com ela habitam a nauseante lama.
Munida de vasto arsenal de enzimas, imune aos microorganismos que a cercam, obstinadamente disposta a sobreviver, almejando, mais que tudo, um dia erguer-se e escapar do pútrido meio em que jaz imersa.

Eis aí o que faz com que resista, cresça, acumule energias, amadureça para depois; de metamorfose em metamorfose, fazer-se díptero e ganhar o espaço, voejar leve, ágil, rápida e livre, respirar o ar puro das alturas, os aromas das cozinhas de todas as categorias, os odores do todas as flores.

Já foi larva e era chamada coró, já foi casulo e era chamada pupa. Hoje é apenas mosca caseira ou mosquito, companheira inseparável do homem. Tão inseparável quanto a barata ou o cão.

Pousada no teto branco, entre numerosos pontinhos escuros deixados por companheiros seus, ou por ela mesma em noites anteriores, olhou o mundo lá fora e sentiu enorme desejo de voar naquele largo espaço que vislumbrava dali.

E, partiu!...

Primeiro, numa ágil manobra, corrigiu a posição; a seguir fez um giro pela sala, talvez para aquecimento; depois provou rapidamente uma migalha de fino bolo deixada sobre a mesa, em contínuo sobrevoou a mesa e tomou a direção da janela que lhe parecia o caminho do mundo. Mas, estranhamente, viu-se impedida por invisível e inexpugnável barreira.

A liberdade lá fora convidativa, obcecante, irresistível; a obstinada persistência geneticamente conferida a ela; tudo favorecendo a que passasse ou morresse tentando; tudo tornando impossível uma desistência.

Se o perigo maior fosse esse persistir teimoso e irracional, talvez o tempo a socorresse.
Mas não havia tempo quase nenhum!
Eis que postada num cantinho do parapeito, na junção do vidro com o suporte de ferro do vitral, uma aranha pega-mosca aguardava ansiosa, há horas, o seu alimento preferido...

Por incontáveis vezes atirou-se contra o vidro na ânsia de alcançar as luminosas distâncias desdobradas à sua frente; forças, energias sem conta gastou tentando, ao impulso das asas, transpor o obstáculo transparente que inexistia para sua percepção visual, mas era perfeitamente concreto para seu tato e para impedir sua passagem.
Percebendo serem inúteis suas tentativas repetidas, já algo claudicante, de ânimo um pouco abatido, pôs-se a caminhar pela lisa superfície a procura de uma falha, uma rachadura, um buraco, um ponto qualquer em que a barreira invisível realmente inexistisse e o deixasse passar.

Devo dizer aos que estão torcendo pela a mosca, que rachaduras, buracos ou uma fresta no vitral, não existiam. O vidro era novo e, o vitral fixo destinava-se tão somente à entrada de luz. Aos que aceitam a fatalidade; aos que acham natural o entredevorar-se dos animais; aos que não simpatizam com moscas, nem mesmo com essa lutadora que vindo das mais ínfimas condições galgou as alturas, freqüentou requintados ambientes, conviveu com a fina flor da espécie humana. A estes devo dizer que as chances da aranha eram quase totais. A demora para a consumação do inevitável devia-se, tão somente, ao fato de a superfície ser muito lisa e perpendicular à horizontal, e à aranha encontrar-se, provavelmente, repleta de ovos e, assim, pesada e fora de sua melhor condição atlética.

Inteiramente seduzida pela paisagem lá fora, a mosca ia e vinha, caminhava em círculos e passava cada vez mais perto da pega-moscas, a qual, ansiosa porém confiante, desejosa mas paciente; concentrava-se, afiava as garras, insalivava antegozando o petisco. Encolhia-se mais calculando o pulo a cada momento em que a mosca passava mais perto.

Imaginariamente talvez houvesse determinado uma linha que, se atingida ou ultrapassada pelo díptero, decretaria sua morte pelo pulo infalível, pela insuportável compressão das tenazes e pelo rápido torpor que infiltrações precisas e repetidas de seu ferrão lhe trariam.

Com o passar do tempo o sol se fez mais claro, o céu mais azul, a natureza ganhou, em luzes e cores, um maior poder de atração.
Inconformada com a idéia de estar presa, desesperada pela incontrolável vontade de seguir, de transpor, de ir em frente; a mosca acelerava o andar, ampliava os círculos... Ampliava os círculos; cada vez mais próxima... Cada vez mais próxima... Até passar tão perto e a aranha prontamente atacar.

A velocidade, tão somente a velocidade com que fazia as circunvoluções impediu que fosse trucidada de imediato. Teve apenas uma perna presa pelas quelíceras impiedosas da aranha e, esticando-se toda, agitando vigorosamente as asas, conseguiu manter-se fora do alcance das agulhadas fatais do ferrão.

Batalha sem esperança, luta sem chances, resistir que só tem como prêmio um curto prolongar da vida.
Mas, lutou!
Lutou brava e desesperadamente até que...
Tissii... Tissiii... Uma nuvem paralisante os envolveu.
Deu-se a intervenção do homem.
Uma tontura, um escurecer de vista, descontrole de músculos, enrijecer de asas, afrouxar de quelíceras.

Houve um nada para ambos. Nada que durou, quem sabe, trinta a sessenta minutos, antes de um recobrar lento de consciência.
Consciência que voltou acompanhada de terrível mal-estar, de dores e que atingiu sua plenitude antes que os músculos recobrassem os movimentos e fossem capazes de executar-lhe os comandos.

Conscientes, mas imóveis, mosca e aranha estavam frente a frente postas no piso onde caíram após o tissii do jato repelente de insetos.
Ambas querendo fugir, temerosas e certas, cada uma, de que o mergulho no nada fora obra da outra.

Ambas paralisadas e esquecidas dos desejos anteriores.
Por algum tempo, uma eternidade para a mosca que era a presa, ainda permaneceram naquele flerte paralítico e indesejável para ambas, naquela proximidade irresistível para a aranha e insuportável para a mosca.

Quem primeiro se recompôs foi a aranha que sem incomodar a mosca, tratou de sair mansinha, trôpega ainda e arranjar um canto escuro para ficar acabando de se recompor e fazendo juras de tornar-se vegetariana.

A mosca, ao sentir-se melhor, andou de um lado para o outro durante um certo tempo, depois experimentou as asas, zumbiu, ensaiou vôos curtos e, ao sentir se capaz, galgou o espaço e seguindo uma corrente de ar cruzou a porta e alcançou uma janela aberta por onde ganhou o mundo, deixando para trás aquele pesadelo.

(11/9/82) - Rilmar
[Via BBA]

domingo, 23 de outubro de 2011

Voltaria sempre a ser Médico

Se um dia eu voltar ao mundo em novos renasceres, eu quero voltar a ser médico.
Ainda que, de antemão eu já saiba que vou debruçar sobre livros e mais livros, aplicar e aguçar cada neurônio para no final saber apenas um pouco do muito que precisaria.

Mesmo sabendo que só fortuitamente por méritos ou, às vezes, inatingíveis caminhos, trabalharei em um grande serviço, em requintado hospital; o certo é que, no mais das vezes, vou estar em rincões afastados e sem recursos, em periferias esquecidas, desprovidas e perigosas.
Quase sempre só.

Tendo plena noção dos grandes apertos, das tensões, dos meus conflitos internos, das decisões solitárias tomadas às vezes sonolento, exausto, com medo, exigido acima do que se tem para dar; ora, na madrugada chuvosa, ora nas tardes quentes e sem fim, diante de filas intermináveis, diante de um doente que não melhora, frente a um mal que não consigo decifrar e que vai roubando, ali na minha frente, uma vida que se esvaindo me consome também, me humilha me reduz à minha pequenez.



Quero voltar a ser médico. Médico de corpo, de almas, de pessoas.
Tecnológico até onde meu cérebro e as condições que a vida me permitirem; humano mesmo quando a raiva estiver em mim, quando a depressão me reduzir, a solidão me assustar, o contexto de uma situação exigir muito mais do que tenho para oferecer. Humano, mais com o sofrimento do outro, que é o que importa, que com o meu. O meu eu posso suportar, rastrear, diagnosticar e descobrir o porquê de sua existência e então resolvê-lo ou suportá-lo. O do outro é minha missão auscultá-lo, minorá-lo, torná-lo suportável, solucioná-lo e, se possível, curá-lo, extirpá-lo.

Mesmo sabendo que me esperam longos, incontáveis e intermináveis plantões. Plantões dos quais eu saia direto para outro plantão ou para o consultório, contando nos dedos a sempre estreita relação entre o ganho e as despesas que me esperam lá fora, sonhando com uma tarde de folga junto à família que passa pela vida, esposa e filhos, sem minha presença; acostumados já ao não convívio; ora com mágoa, ora com amor, ou com indiferença pela constância da situação.


Plantões, às vezes terríveis! Onde se passa do sono profundo e inquieto da exaustão, a um despertar repentino sacudido pela mão do colega, da enfermagem ou pelo toque enervante do telefone à beira do leito que está ali como se fosse uma bomba relógio à espreita, prestes a tilintar e mudar completamente a nossa noite. Plantões que nos levam à fraqueza de orar para que chova e contenha as pessoas em seus lares e, assim, amenize nossas noites. Plantões de rezas inúteis pois as tempestades lançam raios, adiantam os trabalhos de parto, causam inundações, provocam medo e tudo leva as pessoas ao pronto socorro. As mesmas tempestades interrompem o fornecimento de energia às casas e ao hospital e, então, temos além de pacientes assustados, da gestante aos gritos, dos traumatizados; as dificuldades de trabalhar à luz de velas e sem os recursos de aparelhos elétricos.


O que realmente vale nos plantões é orar para que nossas capacidades aflorem no momento preciso, nossas decisões se dêem, o ânimo nos tome, haja um bom relacionamento na equipe e entre a equipe, o paciente e os familiares e que, finalmente todas as ações, energia, emoção se conjuguem na busca do êxito em tempo hábil.

Vale ainda pensar que o insucesso faz parte das probabilidades e que, caso ocorra, tem que ficar claro, principalmente para a equipe que: naquele lugar, naquela hora, e com os recursos humanos e materiais ali existentes não se poderia fazer mais.

Ainda assim o plantão fica péssimo e será sempre lembrado e re-analisado, incontáveis vezes na cabeça do médico, na busca de alguma falha ou de coisa diferente que pudesse ter sido feita.


Quero ainda ser médico mesmo sabendo que pequenas falhas contam mais que grandes êxitos. Podemos sair exultantes de uma cirurgia de urgência na madrugada e sermos derrotados, a seguir, por um caroço de laranja que não consigamos retirar da narina de uma criança que chora a plenos pulmões e é levada pela mãe que se retira revoltada e gritando nossa incompetência ao mundo além de nos acusar de grosseiros por tentarmos imobilizar seu pequeno filho ao embrulhá-lo com um lençol para que pudéssemos ter acesso ao bendito caroço de laranja colocado na narina pela própria criança. Fica péssima a noite para a mãe que só na manhã seguinte vai conseguir se livrar do desconforto do filho, fica arruinado o plantão com aquela sensação de inutilidade que se abate sobre nós.

Morrer de estudar mormente quando o vestibular já assoma no horizonte há mais ou menos três anos de nós, estudar todas as noites e correr atrás da prática nos hospitais e pronto socorros quando, dentro da faculdade, descobrimos que o saber é esparso, não está contido na salas de aulas somente, nem nos livros; não vem até nós. É preciso ler, e os livros não estão em nossas mãos, temos que encontrá-los. Agarrá-los e devorá-los atentos e com tempo marcado. As aulas têm que ser hauridas com olhos arregalados, mentes atentas, concentração intensa apesar de muitas vezes estarmos exauridos em nossa capacidade de atenção.


A prática ocorre de todas as formas mas é fortuita, ocasional, inconstante, incompleta e assim, exige uma presença constante do aprendiz nos locais onde se aprende. Uma noite inteira em um pronto socorro pode trazer pouco ensinamento ou ser repleta de casos que um bom profissional pode ir resolvendo e nos ensinando ou resolvendo sem ensinar, ou não ser um bom profissional e conduzir as soluções de forma inadequada, e assim passar um conceito errado ao que aprende e que poderá levar isso para a vida.


Renascido, revigorado, melhorado; consciente de que minhas forças, meu vigor físico e intelectual, toda minha capacidade de estudar e aprender serão direcionados ao objetivo de me tornar médico integral de doentes, de feridos, dos mentalmente perturbados, dos emocionalmente fragilizados, de homens e de almas.
Combatendo minhas vaidades, o orgulho inútil, minhas arrogâncias, minhas fraquezas, meu medo e outras mazelas que não deixaram que fosse melhor que sou...

Voltando a este mundo num renascimento que dizem haver... Cabendo a mim escolher... Voltaria a ser médico e, havendo horas vagas, também poeta e escritor.

Rilmar 20.10.2011

domingo, 9 de outubro de 2011

Beijaria Emocionado as Mãos dos Mestres

Durante toda a minha vida venho conhecendo mestres e, certamente, muitos outros terão a bondade de me ensinar coisas e saberes pela vida a fora.

Beijaria emocionado hoje, as mãos de todos os meus professores e pediria perdão pelas minhas traquinagens, minhas insubordinações, pelas macaquices , pelas vezes que compareci sem ter feito os deveres de casa.
Beijaria com lágrimas nos olhos todos eles e todas elas. Agradeceria muito e, em troca, mostraria meus êxitos, minhas vitórias e diria: obrigado por terem conduzido, orientado, compelido a estudar; àquele adolescente inquieto, rebelde, inseguro, confuso diante da vida.
Obrigado mestres do G. E. Ipameri, hoje: Colégio Estadual Professor Eduardo Mancine.

Obrigado funcionários da disciplina, da secretaria, porteiros, zeladores, obrigado a todos. Meu pai era bedel e sei que era peça importante, tenho orgulho dele.
Rememorando vou ao Grupo Escolar Estadual de Ipameri onde iniciei o primário e também tive mestres inesquecíveis, incluindo aí a minha mãe que era, ora Diretora, ora era professora além da mãe que fazia milagres, com o ganho irrisório que sempre acompanha os professores, ao manter, com meu pai, oito bocas de oito filhos que em casa a aguardavam.

Meu amor por minha mãe necessita de muitos capítulos para ser descrito.
Com tantas imagens habitando meu peito, todas de imensurável importância; para momentaneamente me ater a uma, terei que, aleatoriamente, pinçar no fundo da mente e tentar tirar uma experiência de vida, uma mestra que tenha também marcado muito; um símbolo: Da.Nazária...
A Escola Sant’Ana; Escola de Da. Nazária é um marco inusitado e inacreditável nos dias de hoje.
A mestra ali na frente, cabelos já ficando grisalhos, olhar firme, de pequena estatura, mas forte. Os olhos vasculhavam cada cantinho da sala a todo instante. A voz era calma e eficaz. O semblante envolvia e dominava a sala toda.
Na sala, alunos de primeiro, segundo, terceiro e quarto anos primários; masculinos e femininos.
Conversa nenhuma entre os alunos. Atenção ao quadro, aos livros ou à mestra.
Disciplina plena, pela capacidade da mestra que tudo via, exigindo respeito e dedicação.
Punições existiam, mas sem serem totalmente brandas, eram mais oportunas que severas.
Sobre a mesa da mestra: uma pedrinha arredonda e antiga que era um código para saber se tinha alguém na privadinha do fundo do quintal.
Pedrinha na mesa: sanitário livre. Pedrinha ausente: sanitário ocupado. Funcionava maravilhosamente. A privadinha tinha como porta uma cortina feita com saco de aniagem e, mesmo assim, nunca houve qualquer confusão.
Ninguém nunca se atreveu a sumir com a tal pedrinha ou levá-la para casa inadvertidamente.
A escola de Da. Nazária funcionava de modo surpreendente e maravilhoso.
Imaginem que lá eram matriculados, além dos alunos comuns, os ditos problemáticos de Ipameri e de toda uma vasta região e, lá, por receberem atenção, serem incentivados, aconselhados, exigidos, todos evoluíam positivamente. A sala era pequena para tanta gente; até porque havia sempre alguém pedindo mais uma vaga e, de uma forma ou de outra; sendo atendido. Como as aulas eram no período da tarde, o calor era muito embora amplas janelas iluminassem a sala e deixassem correr um ventinho de quando em vez. Calor, estômago cheio depois do almoço, livros, idade de menino; tudo dava um sono danado e levava a gente a querer sair um pouco da sala. Da. Nazária instituiu então um prêmio para quem fosse estudioso e confiável: permitia que tais alunos fossem estudar no quintal da escola, à sombra das árvores. Por esse prêmio, eu fazia qualquer coisa. Outro prêmio era poder sair antes do final das aulas. Após o recreio as turmas iam sendo chamadas para “dar a lição”. Série por série éramos chamados para formar um semicírculo em volta da mesa da professora e íamos respondendo a perguntas sobre os temas do dia (história, geografia, matemática, português). Quem se saísse bem era dispensado e podia ir para casa mais cedo. Esse prêmio também me encantava. Nós adorávamos Da. Nazária, a quem pedíamos bênção na entrada da sala de aula e a apoiávamos em tudo. Ai de quem a ofendesse. Era, para nós, como uma mãe da época, que cuidava, educava, orientava, exigia e, se fosse preciso, punia na medida. Estou certo de que a relação mestre-aluno era muito boa; hoje, embora mais moderna, percebo que anda carecendo de ajustes; muitos ajustes. Sua ligação com seus alunos era tal que, para citar um exemplo, certo dia eu estava na rua catando esterco para adubar a horta lá de casa e, nesse mesmo dia nós teríamos prova de matemática. Da. Nazária, passando por ali, me chamou e perguntou se eu não estava lembrado da prova e, ao saber que eu estava cumprindo ordens de meu pai, foi lá em casa, conversou um bom tempo com meu pai que era sistemático e inacessível, nisso eu estava de longe; em seguida meu pai me chamou e me mandou ir estudar. Foi tanta responsabilidade sobre meu ombro que naquela tarde eu tirei um dez e nunca mais esqueci aquele dia, nem da atitude dela
Permita mestra, onde você estiver que eu abrace e beije seus cabelos crespos, que possa deixar cair nas costas de suas mãos, ao beijá-las, duas lágrimas de saudade e manifeste esse apreço enorme, essa admiração e agradeça a Deus (lembra que a senhora nos ensinava tanto a amar Jesus?) por esse privilégio de ter sido seu aluno durante um tempo em que tive grandes avanços no meu aprendizado escolar e de vida.
Obrigado Mestres de todos os tempos!...
15 de outubro de 2009
Rilmar

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Amor Perfeito

Prece a um amor perfeito



Porque te vi menina, correndo de short e cabelos compridos sob as mangueiras frondosas;

Porque vi os teus despreocupados risos, a tua alegria juvenil e ouvi os teus risos de criança;

Porque te vi crescendo e ficando mais bela, mais viçosa, mais fugidia.

Nos teus primeiros albores, no fulgir de tua transformação de meiga criança em adolescente irresistível e pura.

Eu te amei!...





Amei quando eu ainda não compreendia bem o que era esse impulso, essa inquietação, essa vontade de te ver, de me aproximar; essa alguma coisa que me entristecia na tua ausência, essa ansiedade com que eu esperava tornar a te ver.

Te amei nos trejeitos; no riso largo e descontraído, nos cabelos á la garçon’ daqueles anos; nos olhos negros e no olhar profundo e sincero que me devassava; no corpo que adquiria contornos desconcertantes; nos seios que despontavam compondo e enriquecendo o todo, apesar de teu recato.

Te amei tanto que tive forças para, na distância, buscar um futuro para nós dois.

Te amei e te amo tanto que imagino ter eu, e somente eu, colhido o primeiro e todos os teus beijos de amor; todos os teus sorrisos; todos os teus ciúmes, e as mágoas por amor causadas; e as lágrimas por amor choradas; e os ódios do amor nascidos; e os pensamentos que o amor produz; e todas as emoções do amor enfim: pequenas, grandes, infinitas, arrebatadoras, olvidadas e as inesquecíveis.

O tempo passa e eu sigo te conhecendo todos os dias um pouco mais e meu amor por ti segue sendo sempre maior e mais intenso.

Depois de teres me concedido as benesses dos teus encantos, os beijos plenos de teu calor, o amparo, as emoções maiores, o teu amor puríssimo que preencheu todo o universo de minha sede de afeto; ainda me destes filhos que me completam, me orgulham e nos perpetuam.

Depois de tudo teres me dado, depois de teres dedicado tão largo e tão precioso tempo de tua existência a meu lado, comigo e para mim... Seria imaginável que nesse dia, esperasses, talvez um poema, umas rimas, uma estrofe ao menos que te contasse, te transmitisse a infinitude do amor que tenho aqui dentro e nesses anos todos venho tentando externar.

Ah! Querida. Como é pouca a minha arte, quão incapaz é minha rima... Para dizer-te de tal maneira que o sentisses concretamente.

Tirado, uma vez de dentro de mim, esse sentimento, para que o visses em toda sua magnitude; eu, com toda certeza sucumbiria. Pois esse amor é meu próprio eu...

Ele e tão somente ele me anima, ele só e não mais que ele, motiva minha alma. Ao embalo compassado desse amor é que meu coração alterna movimentos que findam sendo fluxos e refluxos de vida. Advêm dele esses clarões, esses lampejos que às vezes fulguram em meu cérebro e se externam em idéias, em pensamentos, em inspirações.

Esses tantos anos juntos, somados aos que te aguardei; aos que te contemplei apenas; aos de namoro e noivado; perfazem minha existência toda até aqui. Porém, só uma vida secular e unida, cosida, lentamente haurida a dois poderá, talvez, no apagar das luzes ter dado a ti uma pálida noção do que seja esse amor.

Sê alegre, sorri despreocupada que desse bem-querer emana um campo capaz de envolver-te em todos os momentos, em todos os teus estados de alma, em todas as distâncias atingidas ou imaginadas.

Essa atmosfera do meu amor já não me pertence.

É tua e estará contigo sempre e sempre...

(22/7/1987)

Amor Perfeito

Prece a um amor perfeito

Porque te vi menina, correndo de short e cabelos compridos sob as mangueiras frondosas;
Porque vi os teus despreocupados risos, a tua alegria juvenil e ouvi os teus risos de criança;
Porque te vi crescendo e ficando mais bela, mais viçosa, mais fugidia.
Nos teus primeiros albores, no fulgir de tua transformação de meiga criança em adolescente irresistível e pura.
Eu te amei!...
Amei quando eu ainda não compreendia bem o que era esse impulso, essa inquietação, essa vontade de te ver, de me aproximar; essa alguma coisa que me entristecia na tua ausência, essa ansiedade com que eu esperava tornar a te ver.
Te amei nos trejeitos; no riso largo e descontraído, nos cabelos á la garçon’ daqueles anos; nos olhos negros e no olhar profundo e sincero que me devassava; no corpo que adquiria contornos desconcertantes; nos seios que despontavam compondo e enriquecendo o todo, apesar de teu recato.
Te amei tanto que tive forças para, na distância, buscar um futuro para nós dois.
Te amei e te amo tanto que imagino ter eu, e somente eu, colhido o primeiro e todos os teus beijos de amor; todos os teus sorrisos; todos os teus ciúmes, e as mágoas por amor causadas; e as lágrimas por amor choradas; e os ódios do amor nascidos; e os pensamentos que o amor produz; e todas as emoções do amor enfim: pequenas, grandes, infinitas, arrebatadoras, olvidadas e as inesquecíveis.
O tempo passa e eu sigo te conhecendo todos os dias um pouco mais e meu amor por ti segue sendo sempre maior e mais intenso.
Depois de teres me concedido as benesses dos teus encantos, os beijos plenos de teu calor, o amparo, as emoções maiores, o teu amor puríssimo que preencheu todo o universo de minha sede de afeto; ainda me destes filhos que me completam, me orgulham e nos perpetuam.
Depois de tudo teres me dado, depois de teres dedicado tão largo e tão precioso tempo de tua existência a meu lado, comigo e para mim... Seria imaginável que nesse dia, esperasses, talvez um poema, umas rimas, uma estrofe ao menos que te contasse, te transmitisse a infinitude do amor que tenho aqui dentro e nesses anos todos venho tentando externar.
Ah! Querida. Como é pouca a minha arte, quão incapaz é minha rima... Para dizer-te de tal maneira que o sentisses concretamente.
Tirado, uma vez de dentro de mim, esse sentimento, para que o visses em toda sua magnitude; eu, com toda certeza sucumbiria. Pois esse amor é meu próprio eu...
Ele e tão somente ele me anima, ele só e não mais que ele, motiva minha alma. Ao embalo compassado desse amor é que meu coração alterna movimentos que findam sendo fluxos e refluxos de vida. Advêm dele esses clarões, esses lampejos que às vezes fulguram em meu cérebro e se externam em idéias, em pensamentos, em inspirações.
Esses tantos anos juntos, somados aos que te aguardei; aos que te contemplei apenas; aos de namoro e noivado; perfazem minha existência toda até aqui. Porém, só uma vida secular e unida, cosida, lentamente haurida a dois poderá, talvez, no apagar das luzes ter dado a ti uma pálida noção do que seja esse amor.
Sê alegre, sorri despreocupada que desse bem-querer emana um campo capaz de envolver-te em todos os momentos, em todos os teus estados de alma, em todas as distâncias atingidas ou imaginadas.
Essa atmosfera do meu amor já não me pertence.
É tua e estará contigo sempre e sempre...


terça-feira, 26 de abril de 2011

MÃE - Peito que nutre - Ventre que Gesta

Mãe é uma essência de Amor do Universo.

É nela que nos abrigamos quando precisamos de paz. Ela é quem nos protege e acalenta sem fazer perguntas; Ela é quem nos interroga apenas para permitir que nossa alma se abra extravasando o que nos atormenta. Ela sabe a hora do conselho, de reprimir suavemente sem abater a moral; sabe o momento de nos afagar os cabelos, de apertar nosso rosto contra seu peito para transmitir um suave calor, uma segurança necessária, um amor imutável, certeza de sermos compreendidos e de que não estamos sós.





Mãe não se submete aos padrões de beleza terrena. Está sempre acima deles.

Ainda que velha;

Ainda que desgastada;

Ainda que sofrida;

Mesmo que anônima e esquecida!

Mãe tem um cheiro bom de acalento; cheiro inesquecível e necessário; cheiro que se está sempre buscando.

Mãe tem textura macia e morna que envolve e acalma, que abriga, protege e nos faz mergulhar numa quietude tranquila e celestial.

Mãe tem paciência infinita e um saber que sempre transcende a tudo o que sabemos.

Mãe está sempre alcançável e nos recebe invariavelmente com alegria sincera, espontânea e exuberante.

Mãe é amor, é flor, e peito que nutre, é ventre que gesta, é santa que se priva, se cala, se doa; é mestra que ensina e orienta, é virtude inesgotável, é manto que envolve, é fera que defende; ausência que não se supre.

Mãe é presença de paz, é imagem de tranqüilidade, é refúgio seguro. É alegria, é vida na casa, é espera incansável; é dedicação, é cuidados, é crente fervorosa rogando proteção à criança doente, ao guerreiro em combate; ao filho sumido, ao rapaz que se demora na rua , à filha mal casada; ao filho que bebe e à tantas outras situações que ameacem a ninhada.

Mãe benze o corpo e vai à luta.

Reza o terço, murmura ladainhas; confessa, comunga, vai à missa, freqüenta cultos, se entrega a Jesus; vai a terreiros, joga flores para Iemanjá, enfrenta exércitos, multidões e sistemas: na defesa dos filhos.

Ciumenta sempre, valente se necessário, carinhosa, admiradora de cada um de seus filhos, independente de suas qualidades. Hiperativa nos afazeres. Psicóloga capaz de tratar cada filho de forma personalizada afim de que ele se sinta amado, seguro, responsável e apto a se conduzir no emaranhado de caminhos que a complexidade da vida nos antepõe.

Não se compara a anjos nem a santas

Mãe é substantivo e adjetivo em si mesma. ´

É beatitude que não se mede.

Transcende ao humano, mas está sempre ao alcance da mão.

É interjeição que se grita em todo momento extremo.

É humildade concreta envolta em aura de amor.

É fonte perene e suave dessa aura que, em doce envolvência, nos tira do mundo e nos aproxima de Deus.

Mãe é uma criatura irremediavelmente apaixonada pelo fardo que conduz.

Maio de 1990

Rilmar

MÃE - Peito que Nutre - Ventre que Gesta



Mãe é uma essência de Amor do Universo.
É nela que nos abrigamos quando precisamos de paz. Ela é quem nos protege e acalenta sem fazer perguntas; Ela é quem nos interroga apenas para permitir que nossa alma se abra extravasando o que nos atormenta. Ela sabe a hora do conselho, de reprimir suavemente sem abater a moral; sabe o momento de nos afagar os cabelos, de apertar nosso rosto contra seu peito para transmitir um suave calor, uma segurança necessária, um amor imutável, certeza de sermos compreendidos e de que não estamos sós.
Mãe não se submete aos padrões de beleza terrena. Está sempre acima deles.
Ainda que velha;
Ainda que desgastada;
Ainda que sofrida;
Mesmo que anônima e esquecida!
Mãe tem um cheiro bom de acalento; cheiro inesquecível e necessário; cheiro que se está sempre buscando.
Mãe tem textura macia e morna que envolve e acalma, que abriga, protege e nos faz mergulhar numa quietude tranquila e celestial.
Mãe tem paciência infinita e um saber que sempre transcende a tudo o que sabemos.
Mãe está sempre alcançável e nos recebe invariavelmente com alegria sincera, espontânea e exuberante.
Mãe é amor, é flor, e peito que nutre, é ventre que gesta, é santa que se priva, se cala, se doa; é mestra que ensina e orienta, é virtude inesgotável, é manto que envolve, é fera que defende; ausência que não se supre.
Mãe é presença de paz, é imagem de tranqüilidade, é refúgio seguro. É alegria, é vida na casa, é espera incansável; é dedicação, é cuidados, é crente fervorosa rogando proteção à criança doente, ao guerreiro em combate; ao filho sumido, ao rapaz que se demora na rua , à filha mal casada; ao filho que bebe e à tantas outras situações que ameacem a ninhada.
Mãe benze o corpo e vai à luta.
Reza o terço, murmura ladainhas; confessa, comunga, vai à missa, freqüenta cultos, se entrega a Jesus; vai a terreiros, joga flores para Iemanjá, enfrenta exércitos, multidões e sistemas: na defesa dos filhos.
Ciumenta sempre, valente se necessário, carinhosa, admiradora de cada um de seus filhos, independente de suas qualidades. Hiperativa nos afazeres. Psicóloga capaz de tratar cada filho de forma personalizada afim de que ele se sinta amado, seguro, responsável e apto a se conduzir no emaranhado de caminhos que a complexidade da vida nos antepõe.
Não se compara a anjos nem a santas
Mãe é substantivo e adjetivo em si mesma. ´
É beatitude que não se mede.
Transcende ao humano, mas está sempre ao alcance da mão.
É interjeição que se grita em todo momento extremo.
É humildade concreta envolta em aura de amor.
É fonte perene e suave dessa aura que, em doce envolvência, nos tira do mundo e nos aproxima de Deus.
Mãe é uma criatura irremediavelmente apaixonada pelo fardo que conduz.
Maio de 1990
Rilmar

sábado, 15 de janeiro de 2011

O Exterminador de Ratos

Ratos, grandes ratos pardos e rabudos tinham ocupado o espaço sob um telhadinho que cobria uma laje num dos cômodos lá de casa.

A presença incômoda, os atrevimentos crescentes, os prejuízos, a algazarra que faziam namorando, as reclamações da patroa e dos meninos; tudo foi me chateando e me obrigando a dar um fim neles.







Então eu parti com a simplicidade dos inexperientes; com a afoiteza do que despreza o adversário; com o menosprezo imperdoável dos que se superestimam e desconhecem o poderio do inimigo.

Parti com um cabo de vassoura em direção ao telhadinho e comecei a cutucar e levantar telhas na esperança de ver ratos voarem apavorados e às tontas para que os meninos e o cachorro os matassem.

Mas qual, onde é que se meteram?... Sumiram como por encanto... Aliás, sumiram com exceção de um adolescente que, de repente se projetou de um vão de telha e caiu no meio do patiozinho cimentado da área.

E aí a balbúrdia se instalou; já que meninos, adultos, cães e gatos; todos ao mesmo tempo, partiram alucinados p’rá cima do inimigo tão esperado e que, àquela altura, já me parecia apenas um pobre rato acuado.

Mas, o que dizer àqueles vândalos, àqueles revoltados justiceiros que não só queriam o inimigo morto, como queriam, cada um, matá-lo pessoalmente?...

O ratinho, com dois olhinhos assustados e protusos, não fez qualquer análise das razões do inimigo e nem sequer quis medir-lhe o poder de destruição. Toda a luta, todo heroísmo, toda resistência possível se resumia em sobreviver. E, sobreviver era não ser pego de forma alguma, para o que valia morder, arranhar, correr em ziguezagues, subir pelas paredes e até pelas pernas dos justiceiros.

Daí, minha casa quase veio abaixo. De um lado: pauladas, gritos, chutes, latidos, topadas, confusão infernal. Do outro: dribles rápidos, idas e vindas incontáveis, guinchos, desaparecimentos momentâneos e mil outros truques de quem tem milhares de anos de tradição neste tipo de luta.

A luta seria tremendamente desigual em favor do rato, não fosse pelo fato de ele não ter como sair do campo de batalha e, em conseqüência, ir tendo suas forças paulatinamente minadas já que lutava sozinho e sem trégua, enquanto que ao inimigo era permitido o revezamento, reforços, troca de vassoura quebrada por outra inteira e, muitas outras vantagens. Mas, com uns quinze minutos de embate, eu, vendo a depredação que faziam nas paredes, portas e utensílios domésticos; sem que ninguém suspeitasse, desertei de nossas colunas e resolvi apoiar a causa da minoria oprimida, que naquele momento era o fatigado ratinho.

No exato instante em que o dito, minoria oprimida, vinha alucinado para dar a centésima topada com a porta, eu, subitamente a abri, como se fosse entrar para ajudar os opressores e, nisso o rato passou como uma bala em ricochete e desapareceu pelo quintal afora.

Desaprovada aquela conduta, parti para inúmeras outras:

Isca envenenada... Nada!

Ratoeira infalível... Horrível!

Felinos audazes... Ineficazes!

Gás hilariante... Hilariante!

Gás Lacrimogêneo, Detefon, bombas, fumaça, vigília cívica...

Fracasso total.

Passados uns dias, estava eu pensativo e desanimado à porta de minha casa quando passa um homem aí de uns cinqüenta e cinco para sessenta anos, curtido de sol, um pouco sujo e com umas botinas já meio corrompidas pelo uso. Bem, a descrição do homem não importa muito; o fato é que ele trazia um saco nas costas e veio exatíssimamente me perguntar se eu não estaria precisando de dar combate a ratos, que era o que ele sabia fazer de maneira eficaz, silenciosa e módica.

Vocês hão de crer que eu não fiz qualquer pergunta? Tal era o meu desespero para ficar livre dos ratos. Não perguntei sequer o que é que ele trazia naquele saco. Apenas combinamos que no dia seguinte estaríamos fora e ele, devidamente informado dos detalhes, ficava com a casa à disposição para o tal extermínio e com ele, ficaria apenas o nosso guarda-noite com ordens expressas de cuidar da casa mas, não interferir no trabalho dele.

Partimos cedo, cheios de esperanças, passamos todo o dia fora e só retornamos boca-da-noite, curiosíssimos e desconfiados.

Ao chegar, encontrei o homem de papo como o guarda, na maior despreocupação do mundo.

- E os ratos? Perguntei.

- Ah! Tem mais rato do que eu pensei e vou precisar de mais tempo.

- E então, como é que ficamos, o senhor volta amanhã para terminar o serviço?

- Num tem jeito não patrão, eu só posso sair com o serviço terminado.

- Mas, e nós?... Há algum inconveniente em dormirmos na casa?

- Bão... Tendo medo de cobra tem.

- Cobras? Que cobras?...

- As cobras que tão pegando os ratos.

- Mas o senhor pôs cobras na minha casa para pegar ratos?

- Pus, mas quando os ratos acabarem eu chamo as cobras e elas voltam p’ro saco.

- Pois o senhor retire essas cobras imediatamente de minha casa antes que eu tome uma providência.

- Num adianta patrão, elas só obedecem quando os ratos acabam.

Nessas alturas minha mulher, as crianças e até o cachorro que andaram ouvindo parte da conversa, já tinham se encarapitado no carro e se recusavam até por os pés no chão, com medo das tais de cobras; caninanas como o homem me esclareceu.



O jeito foi encarar um hotelzinho sem estrelas.

Foram seis dias de hotel, mas que valeram apena. Não sobrou um único rato na casa, não se destruiu uma só telha; o homem saiu de lá com um saco cheio de cobras nutridas e felizes e não quis nem cobrar pelo serviço.

É importante salientar que as tais caninanas deixaram por lá um tal almíscar de cobra, que rato nenhum nunca mais se aventurou sequer a se aproximar lá de casa nem para comer queijo.

O homem misterioso sumiu, mas ouço dizer que ele é uma espécie de benzedor e mora ali pelas proximidades da barra do Antas com o Corumbá, assim, se alguém quiser usufruir do método, estou pronto a ajudar a procurá-lo.

05.8.1989

Rilmar

O Exterminador de Ratos



Ratos, grandes ratos pardos e rabudos tinham ocupado o espaço sob um telhadinho que cobria uma laje num dos cômodos lá de casa.

A presença incômoda, os atrevimentos crescentes, os prejuízos, a algazarra que faziam namorando, as reclamações da patroa e dos meninos; tudo foi me chateando e me obrigando a dar um fim neles.

Então eu parti com a simplicidade dos inexperientes; com a afoiteza do que despreza o adversário; com o menosprezo imperdoável dos que se superestimam e desconhecem o poderio do inimigo.

Parti com um cabo de vassoura em direção ao telhadinho e comecei a cutucar e levantar telhas na esperança de ver ratos voarem apavorados e às tontas para que os meninos e o cachorro os matassem.

Mas qual, onde é que se meteram?... Sumiram como por encanto... Aliás, sumiram com exceção de um adolescente que, de repente se projetou de um vão de telha e caiu no meio do patiozinho cimentado da área.

E aí a balbúrdia se instalou; já que meninos, adultos, cães e gatos; todos ao mesmo tempo, partiram alucinados p’rá cima do inimigo tão esperado e que, àquela altura, já me parecia apenas um pobre rato acuado.

Mas, o que dizer àqueles vândalos, àqueles revoltados justiceiros que não só queriam o inimigo morto, como queriam, cada um, matá-lo pessoalmente?...

O ratinho, com dois olhinhos assustados e protusos, não fez qualquer análise das razões do inimigo e nem sequer quis medir-lhe o poder de destruição. Toda a luta, todo heroísmo, toda resistência possível se resumia em sobreviver. E, sobreviver era não ser pego de forma alguma, para o que valia morder, arranhar, correr em ziguezagues, subir pelas paredes e até pelas pernas dos justiceiros.

Daí, minha casa quase veio abaixo. De um lado: pauladas, gritos, chutes, latidos, topadas, confusão infernal. Do outro: dribles rápidos, idas e vindas incontáveis, guinchos, desaparecimentos momentâneos e mil outros truques de quem tem milhares de anos de tradição neste tipo de luta.

A luta seria tremendamente desigual em favor do rato, não fosse pelo fato de ele não ter como sair do campo de batalha e, em conseqüência, ir tendo suas forças paulatinamente minadas já que lutava sozinho e sem trégua, enquanto que ao inimigo era permitido o revezamento, reforços, troca de vassoura quebrada por outra inteira e, muitas outras vantagens. Mas, com uns quinze minutos de embate, eu, vendo a depredação que faziam nas paredes, portas e utensílios domésticos; sem que ninguém suspeitasse, desertei de nossas colunas e resolvi apoiar a causa da minoria oprimida, que naquele momento era o fatigado ratinho.

No exato instante em que o dito, minoria oprimida, vinha alucinado para dar a centésima topada com a porta, eu, subitamente a abri, como se fosse entrar para ajudar os opressores e, nisso o rato passou como uma bala em ricochete e desapareceu pelo quintal afora.

Desaprovada aquela conduta, parti para inúmeras outras:

Isca envenenada... Nada!

Ratoeira infalível... Horrível!

Felinos audazes... Ineficazes!

Gás hilariante... Hilariante!

Gás Lacrimogêneo, Detefon, bombas, fumaça, vigília cívica...

Fracasso total.

Passados uns dias, estava eu pensativo e desanimado à porta de minha casa quando passa um homem aí de uns cinqüenta e cinco para sessenta anos, curtido de sol, um pouco sujo e com umas botinas já meio corrompidas pelo uso. Bem, a descrição do homem não importa muito; o fato é que ele trazia um saco nas costas e veio exatíssimamente me perguntar se eu não estaria precisando de dar combate a ratos, que era o que ele sabia fazer de maneira eficaz, silenciosa e módica.

Vocês hão de crer que eu não fiz qualquer pergunta? Tal era o meu desespero para ficar livre dos ratos. Não perguntei sequer o que é que ele trazia naquele saco. Apenas combinamos que no dia seguinte estaríamos fora e ele, devidamente informado dos detalhes, ficava com a casa à disposição para o tal extermínio e com ele, ficaria apenas o nosso guarda-noite com ordens expressas de cuidar da casa mas, não interferir no trabalho dele.

Partimos cedo, cheios de esperanças, passamos todo o dia fora e só retornamos boca-da-noite, curiosíssimos e desconfiados.

Ao chegar, encontrei o homem de papo como o guarda, na maior despreocupação do mundo.

- E os ratos? Perguntei.

- Ah! Tem mais rato do que eu pensei e vou precisar de mais tempo.

- E então, como é que ficamos, o senhor volta amanhã para terminar o serviço?

- Num tem jeito não patrão, eu só posso sair com o serviço terminado.

- Mas, e nós?... Há algum inconveniente em dormirmos na casa?

- Bão... Tendo medo de cobra tem.

- Cobras? Que cobras?...

- As cobras que tão pegando os ratos.

- Mas o senhor pôs cobras na minha casa para pegar ratos?

- Pus, mas quando os ratos acabarem eu chamo as cobras e elas voltam p’ro saco.

- Pois o senhor retire essas cobras imediatamente de minha casa antes que eu tome uma providência.

- Num adianta patrão, elas só obedecem quando os ratos acabam.

Nessas alturas minha mulher, as crianças e até o cachorro que andaram ouvindo parte da conversa, já tinham se encarapitado no carro e se recusavam até por os pés no chão, com medo das tais de cobras; caninanas como o homem me esclareceu.



O jeito foi encarar um hotelzinho sem estrelas.

Foram seis dias de hotel, mas que valeram apena. Não sobrou um único rato na casa, não se destruiu uma só telha; o homem saiu de lá com um saco cheio de cobras nutridas e felizes e não quis nem cobrar pelo serviço.

É importante salientar que as tais caninanas deixaram por lá um tal almíscar de cobra, que rato nenhum nunca mais se aventurou sequer a se aproximar lá de casa nem para comer queijo.

O homem misterioso sumiu, mas ouço dizer que ele é uma espécie de benzedor e mora ali pelas proximidades da barra do Antas com o Corumbá, assim, se alguém quiser usufruir do método, estou pronto a ajudar a procurá-lo.

05.8.1989

Rilmar



O EXTERMINADOR DE RATOS