quinta-feira, 27 de maio de 2010

TERRA SUOR E MILAGRE

(Histórias Possíveis)





Terra, Suor e Milagre



Foi tão casual o achado meu naquele dia, quanto foi valioso e inesperado.

Um grande e cobiçado diamante!

E era meu!

Então o vendi para um homem que se dizia sócio de um banco.

Apurado o dinheiro dei-o a meu pai que, na verdade, foi quem o recebeu do homem e era, a meu ver, a pessoa mais sábia e honrada do mundo.

Meu pai, na sua imensa sabedoria, tratou de aplicar a fortuna de modo a dar renda e ocupação a toda família.

Comprou um trator novo e robusto, ágil e durável além de econômico.

Comprou terras planas e férteis a perder de vista.

Pensou, pensou e concluiu: - Vamos plantar mandioca. O risco é pequeno, o preço está ótimo, o custeio é baixo e dá pouco trabalho.

É notório o destemor dos Gomensauros (ancestrais pré-históricos dos Gomes atuais); por isso mesmo ficou decidido que plantaríamos um mandiocal tão grande que causasse espanto a todos os demais plantadores dali e de lugares distantes.

Tínhamos a terra, as ramas de mandioca, um ufanismo destemperado e sem tamanho e, sobretudo, tínhamos ainda uma boa quantia em dinheiro.

Cem alqueires de terra plana e fértil; uma infinidade de toletes de ramas de mandiocas; as mais variadas: mandioca pão, mandioca amarela, mandioca cacau, caipira de Minas, da Bahia, do Pará, mandioca brava e outras mais.

Depois de tudo arado, revolvido, corrigido, adubado; tocamos a plantar, plantar até que não houvesse mais três palmos quadrados de terra sem dois toquinhos de mandioca plantados.

Só a planura da terra com as eiras de covas cobertas já tinha muita beleza; mas quando choveu copiosamente e depois de alguns dias a brota ocorreu, foi que a vista se tornou maravilhosa mesmo.

A brota veio com força, vida, esplendor e cores que iam do verde de vários tons ao marrom avermelhado; e tudo virou um grande tapete que ia e ia se estendendo em direção ao horizonte até perder de vista. O vento ondulava e dava ainda mais vida àquele painel de proporções infinitas.

E tome trabalho, e luta, perseverança, obstinação incansável, capinas, combates às pragas; orações silenciosas pedindo chuva, sol e saúde.

Finalmente a lavoura estava no ponto, podíamos arrancar (colher), vender e apurar novamente dinheiro com o merecido lucro.

Aí eu resolvi abrir a boca e opinar...!

-Não gente!... Que bobagem é essa? Vamos industrializar o produto e lucrar muito mais!

Como?... Disse meu pai, o dinheiro acabou!

-Ora, a gente vende o trator e compra o maquinário que são os ralos, as mesas, as peneiras, os tanques, as ensecadeiras, etc; compra sacos para embalar, lonas para a secagem e grampos para fechar os sacos.

Expus minha idéia de tal maneira e pus tudo tão fácil que acabei por convencer meu pai e toda a família de que a idéia era boa e facilmente exeqüível.

E lá fomos nós produzir polvilho...

O tempo ajudou e fez muito sol com pouco vento. Trabalhamos como loucos. Ninguém de casa escapou. Moças, rapazes, velhos, meninos, universitários de férias, gatos e cachorros.

Arranca mandioca, lava na bica, carrega pro galpão, descasca, rala, molha, côa, deixa assentar o polvilho, esparrama para secar. Então o polvilho com a brancura da neve cobriu um campo quase tão extenso como era o mandiocal. Depois ensacamos, fechamos os sacos de uma quarta, empilhamos tudo em um depósito e fomos atrás de compradores.

- O preço tinha caído!, Ninguém queria comprar!...

- Ai meu Deus!... E agora?...

Doamos, distribuímos, consumimos e vender mesmo que era bom, quase nada.

A ruína já era quase certa. Foi então que um tio meu chegou com a notícia de que a farinha de mandioca era o produto do momento e que se vendêssemos a qualquer preço uns restos de nosso polvilho poderíamos construir fornos e torrar o rejeito de mandioca, que estava guardado, obtido na produção de polvilho e o transformarmos em farinha de mandioca de boa qualidade.

Quem está perdido não caça caminho! Não é mesmo?

Pois é, daí, vendemos as toneladas restantes do nosso polvilho e aplicamos tudo em peneiras, fornos, lenha e carvão e desandamos a fabricar farinha de mandioca.

Implantamos uma incontável quantidade de fornos em forma de iglus que ocuparam os vastos campos que à época do polvilho pareciam extensas planícies cobertas de neve.

A nuvem de fumaça, de complexa química, emanando dos fornos rumava direto para a camada de ozônio e quase duplicou o buraco além de reforçar o efeito estufa, tal era a quantidade de fumegantes fornos.

Os olhos se enchiam de lágrimas pelo ardido da fumaça e pela emoção de ver uma indústria produzindo.

Estaríamos salvos?

Ainda não.

Uma noite, depois que havíamos fabricado e estocado toda a farinha, uma grande chuva de trovões, ventos e granizos aconteceu com toda a fúria e arrancou telhas, e revirou tapumes, e invadiu galpões...

Molhou toda a farinha.

Bateu um enorme desânimo.

Desastre total?

Ainda não.

Não é que no dia seguinte, quando estávamos no maior desespero, no mais completo desânimo; o telefone tocou e atendendo eu ouvi:

- Como? - Se temos farinha? – Temos, mas está molhada, muito molhada. - Hein, vocês só se interessam por ela se estiver molhada? – Não acredito. – Mas para que serve farinha molhada?

- Para fazer pirão!

- Sim, dizia a voz, basta acrescentar cubinhos de caldo de carne e depois separar em porções, levar ao fogo e, a seguir congelar. Pirão de mistura repousada, quanto mais antiga melhor; a Europa compra tudo e a Bahia também... é pegar ou largar... Vocês vendem?

- É claro que vendemos.

Pagamos as dívidas e com a sobra vamos comprar um novo trator e aproveitar as ramas do antigo mandiocal para começar tudo de novo.

Rilmar José Gomes

28/07/2007

Terra, suor e milagre

(Histórias Possíveis)


Foi tão casual o achado meu naquele dia, quanto foi valioso e inesperado.

Um grande e cobiçado diamante! E era meu! Então o vendi para um homem que se dizia sócio de um banco.

Apurado o dinheiro dei-o a meu pai que, na verdade, foi quem o recebeu do homem e era, a meu ver, a pessoa mais sábia e honrada do mundo.
Meu pai, na sua imensa sabedoria, tratou de aplicar a fortuna de modo a dar renda e ocupação a toda família.
Comprou um trator novo e robusto, ágil e durável além de econômico.
Comprou terras planas e férteis a perder de vista.
Pensou, pensou e concluiu: - Vamos plantar mandioca. O risco é pequeno, o preço está ótimo, o custeio é baixo e dá pouco trabalho.
É notório o destemor dos Gomensauros (ancestrais pré-históricos dos Gomes atuais); por isso mesmo ficou decidido que plantaríamos um mandiocal tão grande que causasse espanto a todos os demais plantadores dali e de lugares distantes.
Tínhamos a terra, as ramas de mandioca, um ufanismo destemperado e sem tamanho e, sobretudo, tínhamos ainda uma boa quantia em dinheiro.
Cem alqueires de terra plana e fértil; uma infinidade de toletes de ramas de mandiocas; as mais variadas: mandioca pão, mandioca amarela, mandioca cacau, caipira de Minas, da Bahia, do Pará, mandioca brava e outras mais.
Depois de tudo arado, revolvido, corrigido, adubado; tocamos a plantar, plantar até que não houvesse mais três palmos quadrados de terra sem dois toquinhos de mandioca plantados.
Só a planura da terra com as eiras de covas cobertas já tinha muita beleza; mas quando choveu copiosamente e depois de alguns dias a brota ocorreu, foi que a vista se tornou maravilhosa mesmo.
A brota veio com força, vida, esplendor e cores que iam do verde de vários tons ao marrom avermelhado; e tudo virou um grande tapete que ia e ia se estendendo em direção ao horizonte até perder de vista. O vento ondulava e dava ainda mais vida àquele painel de proporções infinitas.
E tome trabalho, e luta, perseverança, obstinação incansável, capinas, combates às pragas; orações silenciosas pedindo chuva, sol e saúde.
Finalmente a lavoura estava no ponto, podíamos arrancar (colher), vender e apurar novamente dinheiro com o merecido lucro.
Aí eu resolvi abrir a boca e opinar...!
-Não gente!... Que bobagem é essa? Vamos industrializar o produto e lucrar muito mais!
Como?... Disse meu pai, o dinheiro acabou!
-Ora, a gente vende o trator e compra o maquinário que são os ralos, as mesas, as peneiras, os tanques, as ensecadeiras, etc; compra sacos para embalar, lonas para a secagem e grampos para fechar os sacos.
Expus minha idéia de tal maneira e pus tudo tão fácil que acabei por convencer meu pai e toda a família de que a idéia era boa e facilmente exeqüível.
E lá fomos nós produzir polvilho...
O tempo ajudou e fez muito sol com pouco vento. Trabalhamos como loucos. Ninguém de casa escapou. Moças, rapazes, velhos, meninos, universitários de férias, gatos e cachorros.
Arranca mandioca, lava na bica, carrega pro galpão, descasca, rala, molha, côa, deixa assentar o polvilho, esparrama para secar. Então o polvilho com a brancura da neve cobriu um campo quase tão extenso como era o mandiocal. Depois ensacamos, fechamos os sacos de uma quarta, empilhamos tudo em um depósito e fomos atrás de compradores.
- O preço tinha caído!, Ninguém queria comprar!...
- Ai meu Deus!... E agora?...
Doamos, distribuímos, consumimos e vender mesmo que era bom, quase nada.
A ruína já era quase certa. Foi então que um tio meu chegou com a notícia de que a farinha de mandioca era o produto do momento e que se vendêssemos a qualquer preço uns restos de nosso polvilho poderíamos construir fornos e torrar o rejeito de mandioca, que estava guardado, obtido na produção de polvilho e o transformarmos em farinha de mandioca de boa qualidade.
Quem está perdido não caça caminho! Não é mesmo?
Pois é, daí, vendemos as toneladas restantes do nosso polvilho e aplicamos tudo em peneiras, fornos, lenha e carvão e desandamos a fabricar farinha de mandioca.
Implantamos uma incontável quantidade de fornos em forma de iglus que ocuparam os vastos campos que à época do polvilho pareciam extensas planícies cobertas de neve.
A nuvem de fumaça, de complexa química, emanando dos fornos rumava direto para a camada de ozônio e quase duplicou o buraco além de reforçar o efeito estufa, tal era a quantidade de fumegantes fornos.
Os olhos se enchiam de lágrimas pelo ardido da fumaça e pela emoção de ver uma indústria produzindo.
Estaríamos salvos?
Ainda não.
Uma noite, depois que havíamos fabricado e estocado toda a farinha, uma grande chuva de trovões, ventos e granizos aconteceu com toda a fúria e arrancou telhas, e revirou tapumes, e invadiu galpões...
Molhou toda a farinha.
Bateu um enorme desânimo.
Desastre total?
Ainda não.
Não é que no dia seguinte, quando estávamos no maior desespero, no mais completo desânimo; o telefone tocou e atendendo eu ouvi:
- Como? - Se temos farinha? – Temos, mas está molhada, muito molhada. - Hein, vocês só se interessam por ela se estiver molhada? – Não acredito. – Mas para que serve farinha molhada?
- Para fazer pirão!
- Sim, dizia a voz, basta acrescentar cubinhos de caldo de carne e depois separar em porções, levar ao fogo e, a seguir congelar. Pirão de mistura repousada, quanto mais antiga melhor; a Europa compra tudo e a Bahia também... é pegar ou largar... Vocês vendem?
- É claro que vendemos.
Pagamos as dívidas e com a sobra vamos comprar um novo trator e aproveitar as ramas do antigo mandiocal para começar tudo de novo.
Rilmar José Gomes
28/07/2007

sábado, 1 de maio de 2010

À Minha Mãe

Rilmar

Nossa Senhora na beira do rio.
Lavava os paninhos de seu bento fio...

Eu bem quisera escrever em trovas, mas não as consigo criar dignas destas memórias...

E falo a você, Mãe, com a firme lembrança da sua imagem naquelas tardes ensolaradas quando você, que durante toda a semana lecionara o dia todo e parte da noite para alunos de ambos os sexos, de todas idades, das mais variadas classes sociais e de comportamentos os mais diversos e imprevisíveis; mas que a sua paciência imensa, o seu amor ilimitado, a sua alegria que se espargia e contagiava a todos; envolviam, compreendiam, harmonizavam, disciplinavam e conseguiam conduzi-los paulatinamente em direção à luz do saber.
 Naquelas tardes ensolaradas você, inesgotável e bela, ainda tinha missões para o fim de semana.
Como a vejo nítida destacando-se nestas imagens que me vêm à mente.
Seu português tão correto, sua letra de lindíssimo talhe, suas frases tão plenas de saber, de compreensão, de poesia; elegantes e delicadas. E as inesquecíveis lições de humildade que nos dava, indo, ao final da semana, alegremente até, levando-nos para o córrego como se fôssemos passear, quando, na verdade, você ia era lavar a imensa trouxa de roupas que as nove pessoas da casa usaram durante a semana.
E a lembrança me traz você como aquela Nossa Senhora da cantiga de ninar:
Nossa Senhora na beira do rio.
Lavava os paninhos do seu bento fio.
Ela lavava, José estendia.
O menino chorava com o frio que fazia...
Era você lavando, contando casos repletos de interesses para nós que deitados na água morna do pequeno regato mantínhamos os olhos e os ouvidos ligados nos seus gestos e em cada palavra sua no desenrolar da narrativa
Nítida e iluminada como uma santa, saudosa e amada como só as mães podem ser, eis como minhas lembranças a retratam.
Fim de dia. Recolhidas as roupas e refeita a trouxa, lá ia você com a imensa mala de roupas e a fila de filhos a acompanhá-la de volta ao lar.
Mais que a professora, maior que a diretora, grande como uma luminosa divindade; tranquila, afagando um ou outro, sorrindo no seu grandioso papel de Mãe!...
Maria como a mãe do menino Deus, bendita mulher que veio ao mundo para dar amor e espalhar luz e saber. Hei de sempre lembrá-la com seu amável sorriso a semear virtudes, tolerância e amor.
Muito obrigado minha mãe, minha amiga, meu fanal. Muito obrigado por ter deixado em mim essas lembranças que me envaidecem demais e me ensinam muito o respeito de humildade e altruísmo.
10-05-1979
Rilmar José Gomes