sábado, 30 de janeiro de 2010

Denúncia ao Público ou Miséria pouco é Bobagem

Notícias da DP – Inacreditável - Li com lágrimas nos olhos

Deu entrada ontem, nesta DP, o cidadão Mala Concebido, de origem desconhecida, provavelmente de algum livreto apócrifo; o qual foi flagrado e autuado por seis ou mais agentes de diferentes departamentos garantidores do bem estar social; a saber:
Delegacia das mulheres;
Departamento de defesa da criança;
Serviço de proteção aos animais;
Inspetoria da Saúde Pública;
Divisão especial de distribuição da renda familiar.
Os crime de que é acusado o referido meliante são todos graves e inafiançáveis e, as provas levantadas em seu próprio lar, ou melhor casa, ou melhor esconderijo, ou melhor tugúrio; são incontestáveis, e hediondas.
A mulher é mantida numa espécie de cativeiro.
Magrela, pálida, descalça, sem dentes e com uns trapinhos finos a cobrir-lhe o corpo franzino e sofrido.
 Trabalha como uma moura seja na varrição da casa, na fazeção da comida que exige criatividade de gênio e milagres da multiplicação diários; ou na trabalheira que lhe dão os seis filhos chorões, catarrentos, lumbriguentos, teimosos, mal nutridos e distribuídos em faixas etárias que variam dos zero aos sete anos.
As crianças passam fome, choram, se coçam, levam safanões e tapas à todo momento. Ora diretamente do pai meliante, ora por culpa do mesmo que ao não prover satisfatoriamente a casa, propicia os fatores que levam as crianças a protestarem com choros e gritos nos ouvidos dos adultos irritados, com conseqüentes repreensões, ou seja, safanões, tapas e beliscões.
Complica-se a situação pela presença na casa de um pobre cão que, a despeito de proteger e vigiar a casa contra malfeitores e ladrões que iriam ali roubar, não sei o quê, é maltratado, come as sobras que nunca existem, apanha mais do que todos da casa e é obrigado a sair pelas ruas revirando latas e pacotes de lixo em busca de sustento para sua vida miserável de cachorro de pobre.
A inspetoria de Saúde Pública quis saber da situação dos sanitários e da destinação dos dejetos.
Pasmem-se leitores, mas o cidadão em pauta teve o deslavado desplante
de fingir que não entendia o que significavam essas coisas.
Foi preciso esmiuçar, com muito constrangimento de parte da fiscalização, para que ele, por fim, admitisse que as águas de lavações, sejam de pia, tanque ou banho, saiam por um reguinho cruzando os quintais da vizinhança e iam poluir um corregozinho que passa a um certa distância da casa, de onde provém toda a água que abastece a casa e é buscada pela mulher em pesadas latas-d’água-na-cabeça.
O sanitário propriamente dito é um buraco cercado por quatro paus e um plástico preto molambento, e, lá as pessoas se escondem para se esvaziarem quando necessitam.
Crápula é pouco para esse indivíduo!...
Nesse ponto o meliante quis se defender, dizendo que trabalha de oito a dez horas por dia para ganhar o salário mínimo e que o máximo que pode fazer com o minguado provento é a miséria detectada ali.
Nem bem acabara de falar, entrou em pauta o relatório da divisão especial da Distribuição da Renda Familiar. A referida divisão não só detectou in loco abundantes sinais de desvio de verba e aplicação indevida, como ainda se deu ao desvelo de rastrear cuidadosamente, desde à origem, a destinação dada aos proventos do nosso acusado.
É de estarrecer verificar que em uma nação tão rica em exemplos edificantes no trato com verbas e a coisa pública se venha, num certo momento, a deparar com o opróbrio de maneira tão descarada.
Inescrupuloso, sagaz, inconseqüente; eis alguns dos muitos adjetivos que nos ocorrem na análise dos atos sub-reptícios de quem pega um polpudo salário mínimo, do qual foram descontados apenas alguns vales, contribuição sindical e INSS; e, portanto hígido, robusto e plenipotente e o esfacela a seu bel prazer.
De cara se detecta um gasto desnecessário com ônibus quando, morando apenas a cinco ou seis quilômetros do local de trabalho, poderia fazer o trajeto à pé ou mesmo pegar uma carona de bicicleta com algum vizinho; logo adiante descobre-se que o perdulário mantinha uma conta num boteco onde, duas ou três vezes por semana, parava para beber uma pinga dupla e comer um naco de linguiça mista; seguindo o rastreamento vamos descobrir que, geralmente no sábado, o nosso malandro deliciava-se, horas a fio, jogando sinuquinha numa boca-de-inferno nas imediações de sua casa, e tome desvio de verba.
Para finalizar, ao analisar sua conta na farmácia, vamos verificar que constam: Sonrisal para tirar ressaca, desodorante para sua inhaca e inúmeras outras miudezas supérfluas.
Somados esses e outros desperdícios, fica perfeitamente explicada a miséria reinante na casa e caracterizada a culpa do réu.
Ao saber que estava condenado e depois de ouvir as argumentações dos vários relatórios, o réu reconheceu suas culpas e prometeu por fim à vida, tão logo seja libertado após o cumprimento das penas, e quis tão somente saber quem iria manter sua família no nível de miséria atual enquanto ele estiver na cadeia.
O agente policial não soube responder, mas deu-lhe uma tremenda bolacha para evitar novas perguntas.
E mais não disse e nem lhe foi perguntado
Do Correspondente especial

Rilmar – 16.8.91

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Sobre Mario de Andrade (para minha Nora)

Olhe o que eu achei revirando um baú de papéis amarelados pelo tempo:

Se eu tivesse um irmão
E esse brother fosse Mário,
Aceitaria com bondade;
De Andrade

Fosse porém esse irmão,
Registrado de Andrade,
Antes do nome, ao contário;
Mário

De Andrade, Mário, poeta;
Imortal, com Deus compondo,
Sempre e sempre o seu canto;
Santo

Se não tivemos o convívio,
Como explicar o vazio,
Que deixou Mario de Andrade?...
Saudade

(poeminhas sem dono, da Lira sem Pátria)
Rilmar - 28.01.2010


Leia mais: São Paulo e Mário de Andrade http://blog.brasilacademico.com/2010/01/sao-paulo-e-mario-de-andrade.html#ixzz0duveJ85I

sábado, 16 de janeiro de 2010

MIMOSA - ONDE A VACA VAI O BOI VAI ATRÁS

Uma vaquinha mimosa,
Boa a não mais poder,
Pastava tranquilamente,
Deixando o tempo correr.

Bois e bezerros olhavam
A vaquinha, embevecidos,
Que tranqüila balançava
A cauda em dois sentidos.

Diz-lhe um bezerro afoito:
Quem me dera que agora
Fosse eu grande e bonito,
Para namorar com a senhora.

Ai meu Deus, como é bacana
Quando passa para o curral!
Pula o coração cá dentro
Tremo todo, sinto mal.

Ela, boa consciente,
Olha com certo desdém
Murmura, talvez, consigo:
Frangote, nem vem que não tem.

De certa feita um boi,
O galã da região,
Criou coragem e falou-lhe
Todo cheio de emoção

Dizia ele: –Vaquinha,
De quem esses olhos são?
- Estes olhos são daquele
Que me tem o coração.

- E essa boca bonita
Que morde, masca e rumina?
- Esta boca já pertence
Ao galã desta campina

- E o seu corpo malhado
Posso com ele sonhar?
- Se já tens meu coração,
A quem o corpo hei de dar?

O boi cheio de emoção
Para perto dela chegou;
Deu-lhe um cheiro temeroso,
Mas ela não se zangou.

Aí, bem mais animado,
Quis ela toda cheirar,
Cheira que cheira, ai meu Deus!
Caiu duro no lugar

Fica o boi ali caído
E a vaquinha novamente
Vai balançando o rabinho
Encantando a toda a gente.

Rilmar José Gomes (1969?)

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Pôr-do-sol

Sol poente,
Por trás do monte escondendo,
Tingindo os vales de ouro
E o céu de púrpura.



Tarde calma,
Quieta tarde calada,
Silente, muda,
De brisa suave refrescando almas,
De gente fazendo nada,
Sentada nos montes sem preocupações

Que não seja viver e beber,
Num gole imenso, sorvendo
Aos poucos, devagar,
A natureza bela.

Tarde de aves cantando, Ao longe,
Quase imperceptivelmente;

Na amplidão dos vales,
Sem perturbar o silêncio,
Sem atrapalhar a brisa ,
Sem apressar o Sol.

Tarde ampla, acolhedora tarde,
Onde as famílias nas soleiras,
Nos vales, na serra;
Com pés descalços sentindo a terra,
Devaneando vão mentalmente,

Até Deus, devagar
Em prece sem pressa,
Que ele é eterno e,
Tarde tão linda,
Não compactua com a morte.

Tarde serena e calma tarde
Que traduz minha alma
Dentro dessa tarde.
Tranquila e distante como o horizonte,
Que só existe
Longe da gente.

Rilmar (1978?)